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#10 - Luto: uma dor que não se pode rejeitar

Luto
Uma dor que não se pode rejeitar
#10 - Luto: uma dor que não se pode rejeitar

 

“Não devia ter ultrapassado isto? Já devia ter seguido em frente! Afinal o meu marido já morreu há 2 anos...”; “Será que a minha mulher vai ficar assim, triste, de luto, para sempre? Será normal ela ainda chorar de cada vez que se toca no nome do nosso filho?”; “Mas quanto tempo vai demorar esta dor a passar?”

 

Estas são algumas das perguntas que inquietam muitas das pessoas que passam pelo processo de luto.

 

 

Luto: Na Nossa Sociedade

 

A nossa sociedade coloca uma pressão enorme para que ultrapassemos a perda, para que façamos o luto. Mas quanto tempo é necessário para ultrapassar a dor da perda de um filho, morto num acidente de automóvel, ou de um marido com quem se partilhou a vida durante mais de 60 anos, ou de uma mãe, cujo abraço e o colo sempre calaram todas as angústias? A verdade é que não há um tempo certo, não há um prazo de validade para o luto!

 

O luto é um processo natural e desejável, uma reação emocional, mais ou menos prolongada, a uma perda pessoal significativa, e não há formas “certas” ou “erradas” de vivenciar o luto. A dor da perda é intensa e real porque quando amamos nos conectamos intimamente com o outro, e o luto é o reflexo dessa perda. Há dor porque é doloroso adaptar-nos à vida sem a proximidade, sem o toque, sem a presença física da pessoa amada perdida.

 

 

As Respostas ao Luto

 

As respostas ao luto variam muito de pessoa para pessoa e em função do contexto. Algumas pessoas reagem muito intensamente logo após o momento em que recebem a notícia da morte, outras apenas mais tarde. Umas respostas são temporalmente breves, outras são mais demoradas. É normal sentir emoções como tristeza, raiva, culpa, e até mesmo alívio, entre outras. Há quem sinta um vazio no estômago, um aperto no peito, ou um nó na garganta, falta de energia, ou a boca seca. É comum haver descrença e alguma confusão e por vezes até uma sensação de presença e alucinações – há momentos em que nada parece real!  Muitas vezes o sono é perturbado, assim como o apetite, há uma tendência para o isolamento e pode chorar-se intensamente, ou não se chorar de todo. Tudo isto é normal e só deixa de o ser, quando a dor da perda começa a complicar a vida da pessoa enlutada, provocando alterações no seu funcionamento social, profissional e ocupacional.

 

O processo do luto, envolve, de acordo com Worden, um dos mais importantes autores nesta área, quatro grandes tarefas, que não possuem uma ordem e podem até ser simultâneas, e que uma vez concluídas permitirão à pessoa enlutada um ajustamento à vida, sem a pessoa perdida.

 

Por um lado, é necessário aceitar, racional e emocionalmente, a realidade da perda, pelo que a participação nos rituais que usualmente acompanham a morte, como o funeral, pode ser um importante contributo.

 

Outra tarefa do luto passa por elaborar a dor, ou seja, reconhecer e trabalhar os sentimentos, pensamentos e significados associados à perda. É fundamental que a pessoa enlutada possa sentir e partilhar emoções – tristeza, raiva, culpa, solidão, etc -, de forma que a dor possa ser processada e integrada.

 

Ajustar-se ao mundo sem a pessoa que morreu é outra tarefa fundamental ao processo de luto. O enlutado terá de fazer ajustes externos (criar rotinas, eventualmente desenvolver novas competências, etc), ajustes internos, ligados por exemplo a aspetos da sua identidade que com a perda do outro se alteram, e ajustes espirituais, ligados ao seu papel e propósito no mundo, bem como ao significado da vida.

 

Uma quarta tarefa passa por encontrar uma forma de manter a pessoa perdida presente na vida do enlutado, continuando a investir e adaptando-se à vida sem essa pessoa. Recordar histórias, utilizar objetos que antes lhe pertenciam, seguir alguns dos seus valores, são uma forma de concretizar esta tarefa.

 

O processo está concluído quando a pessoa enlutada abre espaço emocional para novas pessoas e relações, pois compreende que isso não invade, nem apaga, a memória do ente querido. Percebe que seguir com a vida não significa esquecer. A pessoa morre, mas há um vínculo de amor que permanece, alimentado pelas memórias. Só morre, quem é esquecido!

 

Por: Ana Borgas Leal

 

Worden, J. W. (2010). Grief counseling and grief therapy: A handbook for the mental health practitioner (4rd ed.). Springer Publishing Company.