#11 - Mitos do Desenvolvimento Vocacional
O Mito
É frequente os jovens, e os pais, serem portadores de crenças acerca das tomadas de decisões vocacionais e de carreira, designadamente o processo de escolha de uma profissão. Estas crenças tendem, geralmente, a interferir negativamente com a capacidade de tomar decisões vocacionais realistas e coerentes.
Assim, considero que uma etapa importante da intervenção em aconselhamento vocacional, consistirá em identificar e questionar mitos e crenças, que o jovem é portador sobre o desenvolvimento vocacional e as decisões de carreira. Interesses, valores, competências e outras características psicológicas, são pouco relevantes se o jovem não as conseguir perspetivar de forma realista.
Acredito que a crença mais comum, relaciona-se com as expetativas sobre o papel do psicólogo no processo de ajuda e intervenção em aconselhamento vocacional. Frequentemente o psicólogo é entendido como um especialista em diagnóstico e prognóstico vocacional, ou seja, alguém que unido de instrumentos de avaliação diagnóstica e conhecimento especializado, vai identificar quem o jovem é agora e quem vai ser no futuro, emitindo por isso, após complexa avaliação psicológica, um conselho ou uma orientação que determinará, da forma mais precisa possível, as escolhas vocacionais do jovem, mesmo que ele não as entenda, como se tratasse da deliberação de uma bola de cristal.
Desconstruindo o Mito do Desenvolvimento Vocacional
Desconstruindo o mito, o papel do psicólogo e dos instrumentos de avaliação devem ser entendidos à luz de uma abordagem desenvolvimentista e integrativa. Isto significa, que os instrumentos de avaliação, comumente designados, e de forma incorreta, por testes psicotécnicos, têm a utilidade de permitir ao jovem experiências vocacionais estruturadas e organizadas, de forma a integrar as mesmas no seu autoconceito e, assim, servirem de orientação para o planeamento, exploração e desenvolvimento de experiências que promovam o desenvolvimento vocacional, como sejam a maturação e validação dos seus interesses, competências, talentos, motivações, valores, etc. O papel do psicólogo não é “devolver os resultados” de tais inventários e testes, mas integrar os mesmos nas experiências de vida do sujeito, confirmando o seu autoconceito, tornando-o mais realista e estruturando a identidade vocacional. Esta integração só é possível através de diferentes técnicas de comunicação terapêutica, como a reflexão, reformulação, clarificação, questionamento e síntese, com vista à promoção de um Self coerente.
A crença do psicólogo especialista e a relevância dos resultados dos testes, está geralmente associado a narrativas do tipo: “Quero estar certo de que não me vou arrepender da decisão...” ou “Acho que é melhor ter e certeza absoluta antes de decidir, já que me vai afetar o resto da vida...”. Acredita-se assim que os jovens bem-sucedidos devem ter, em qualquer altura da vida, planos bem definidos e claros para a sua carreira, e que o psicólogo vai poder dar a indicação concreta sobre a direção a seguir. Identificamos assim a crença que “tenho de ter a certeza absoluta antes de decidir”, mas não é possível ter essa certeza antes de escolher ou experimentar primeiro, ou seja, o jovem pode não ter a certeza da escolha, mas isso não o impede de tomar uma decisão, ou seja, ao agir agora, irá obter mais informações oriundas da experiência que vão ser relevantes em futuras decisões.
A convicção de que “só se deve decidir quando houver a certeza absoluta”, está associada também à crença de que alterar projetos é sinal de fracasso ou insucesso. Na realidade, a mudança é uma reação adaptativa normal que decorre do desenvolvimento e maturação pessoal e, também, uma resultante importante das oportunidades do meio envolvente. É importante que cada jovem desfrute dos sucessos e assuma os próprios equívocos, para ser capaz de estabelecer um padrão de vida eficaz.
É frequente os jovens, pais e educadores, acreditarem que a decisão vocacional é um acontecimento que ocorre numa determinada altura, geralmente antes da primeira decisão vocacional. As questões “Ainda não decidi o que quero ser...”, “Tenho de me decidir por uma profissão...” ou “Tenho a sensação de que toda a gente, menos eu, já tomou uma decisão”, são preocupações frequentes por parte do jovem que admite como certo a possibilidade de decidir por uma profissão numa fase precoce do desenvolvimento vocacional, vulgarmente na primeira escolha exigida pelo sistema de ensino, onde nesta fase de desenvolvimento a maturidade vocacional permite apenas a cristalização de interesses para a escolha de uma área vasta de conteúdos académicos.
O que é o Desenvolvimento Vocacional?
O desenvolvimento vocacional é um processo de crescimento e maturação psicossocial, onde o jovem apresenta comportamentos vocacionais com complexidade crescente, em resposta às decisões vocacionais socialmente exigidas, ao preparar-se, escolher, entrar e ajustar-se ao trabalho e à carreira, que resulta em inúmeras tomadas de decisão e ajustamentos. O adolescente não está psicologicamente preparado para tomar qualquer decisão vocacional em qualquer altura do seu ciclo de vida, ou seja, é necessário que o jovem adquira competências de maturidade vocacional, que envolvem variáveis cognitivas, e comportamentais. Estas competências vão sendo adquiridas em paralelo com o desenvolvimento identitário do adolescente como um todo, sendo necessário que, para tal, desenvolva comportamentos de exploração e compromissos.
É essencial entender que o adolescente a quem se colocam problemas de tomada de decisão no campo vocacional se encontra num processo de maturação intelectual e sócio afetiva, e que os seus comportamentos em relação às realidades vocacionais se integram na dinâmica deste processo eral de maturação e realização de uma identidade, que se pretende única e diferenciada dos indivíduos significativos.
Na verdade, são necessárias várias escolhas e ajustamentos vocacionais ao longo do ciclo de vida, influenciados por fatores intrínsecos e extrínsecos ao individuo, e não devemos isolar a preocupação pela escolha de uma profissão, entendida como um conjunto definido de tarefas a executar que não se alteram no decurso da vida de trabalho, mas antes pela construção de uma carreira, que envolve a escolha da saliência dos diversos papeis socias, incluindo o profissional. Talvez a questão não esteja apenas em procurar aquilo que quero fazer em termos profissionais, mas sim qual o estilo de vida que é para mim gratificante e de que forma a minha atividade profissional poderá contribuir para ele.
A crença de que o trabalho é a parte mais importante da vida de uma pessoa, assume grande relevância nas decisões vocacionais dos jovens. Na realidade, nem sempre é possível ter um emprego que seja intrinsecamente gratificante, ou seja, que satisfaça todas as nossas necessidades. Existem necessidades importantes que podem ser satisfeitas fora dos limites estreitos do campo profissional, que, atendendo à cada vez maior volatilidade do mercado de trabalho e das características das profissões, justifica que cada vez mais os jovens assegurem que as suas necessidades também podem ser satisfeitas noutros papeis sociais onde, provavelmente, podem assumir maior controlo.
No mesmo sentido, existe também a tendência para a sociedade avaliar o valor intrínseco de um ser humano através de critérios extrínsecos e perpetuar a ideia de que algumas pessoas são melhores do que outras porque ocupam uma posição mais elevada na hierarquia profissional. Esta crença imbrica no pressuposto de que o mesmo individuo seria naturalmente uma pessoa melhor se fosse um engenheiro mecânico em vez de técnico de manutenção. É nela que também se baseia a ideia de que o grau de autorrealização de uma pessoa depende de alguma forma do papel profissional que desempenha.
Por Jorge Camarate